As cidades europeias estão mais quentes. Portugal está no fim da lista

Em Évora a temperatura aumentou quase um grau. Cidades nórdicas, da Europa de Leste e do Sul de Espanha foram as que mais aqueceram.

Published On: Outubro 22nd, 2018
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As cidades europeias estão mais quentes. Portugal está no fim da lista

Em Évora a temperatura aumentou quase um grau. Cidades nórdicas, da Europa de Leste e do Sul de Espanha foram as que mais aqueceram.

Beja – Digitalsignal [CC BY-SA 3.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)]

As cidades europeias estão, em média, um grau mais quentes do que no século passado. No topo da lista, está Granada. Na cidade espanhola, a temperatura média dos últimos 17 anos foi 1,6 graus superior à registada no período entre 1900 e 1999. Córdoba e Linares, também na vizinha Espanha, completam este top. A Europa de Leste, o Sul de Espanha, a Dinamarca e a Finlândia estão entre as zonas onde os termómetros locais mais subiram. As cidades portuguesas foram das que menos aqueceram.

Os dados, do Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (ECMWF, na sigla em inglês), resultam da análise feita pela European Data Journalism Network às temperaturas médias registadas diariamente em 558 cidades europeias desde 1900. Os números disponibilizados pelo ECMWF são provenientes de informação de diferentes fontes, que é harmonizada para possibilitar comparações no tempo e no espaço. É a primeira vez que esta quantidade de dados é disponibilizada e analisada em conjunto.

Em Portugal, foi Beja que mais aqueceu nos últimos 17 anos quando comparada com a média do século passado. Foram 0,9 graus Celsius. Ponta Delgada, com mais 0,1ºC, é a menos quente. Em território nacional, foram ainda observados os dados para Évora (+ 0,8ºC), Coimbra (+ 0,7ºC), Lisboa (+ 0,7ºC), Vila Nova de Gaia (+ 0,6ºC), Funchal (+ 0,4ºC), Faro (+ 0,4ºC), Aveiro (+ 0,3ºC), Sintra (+ 0,2ºC), Matosinhos (+ 0,2ºC) e Setúbal (+ 0,2ºC). Das cidades portuguesas em estudo, as mais quentes continuam a ser Funchal e Ponta Delgada, por esta ordem.

Estes valores colocam Portugal no fim da lista – cinco das 12 cidades portuguesas que integram este trabalho estão entre as dez que menos aqueceram – onde também entram locais na Irlanda (Limerick, Galway e Waterford), no Reino Unido (Derry City & Strabane) e no Norte de Espanha (Vigo).

João Camargo, mestre em Engenharia do Ambiente e Produção Animal e autor do Manual de Combate às Alterações Climáticas, diz que o facto de as cidades portuguesas estarem no fim da lista “é normal”, uma vez que “a temperatura de partida já era superior e é normal que nas latitudes mais altas suba mais”. Aliás, “os sítios onde a temperatura mais vai aumentar são o pólo Norte e o pólo Sul, porque são os locais onde o ponto de partida já era mais baixo”.

Mas não é por ser um aumento mais baixo em comparação com as outras cidades da lista que deixa de ser preocupante, diz João Camargo. “A base de onde partimos já é mais vulnerável, pelo que o aumento decimal é muitíssimo significativo.” E acrescenta: “É um aumento demasiado rápido para muito pouco tempo.” A comparação dos últimos 17 anos com o século passado não é assim tão comum no meio académico. “Normalmente, para avaliar modificações no clima, fazemos escalas de 30 anos. É a medida padrão. Mas metade disso já dá muita informação, especialmente quando está a acelerar tanto”, detalha João Camargo.

Mais quente do que nestes últimos anos – desde que o homo sapiens habita a Terra – só durante o período interglacial Eemiano, há cerca de 130 mil anos. “Havia florestas até ao cabo Norte, muito além do Círculo Árctico, não havia gelo no Árctico no Verão, havia hipopótamos no Reno e no Tamisa, o centro da Europa era uma savana e havia monções no Norte de África e na Arábia, mas nós éramos muito poucos.”

Mais dias quentes

Assim como aumentou a temperatura média, também aumentaram os dias quentes por ano. A tendência é generalizada, mas há quatro cidades que a contrariam. Nos restantes 554 locais em análise, esse aumento foi, em média, de mais quatro dias quentes.

Os efeitos do aumento da temperatura na saúde já foram demonstrados em vários estudos. Um trabalho de investigadores da Universidade de Coimbra analisou os números de internamentos por doença mental entre 2008 e 2014 e a sua relação com os dias mais quentes. Conclusão: o número de internamentos por distúrbios mentais de residentes na Área Metropolitana de Lisboa sobe quando há um aumento das temperaturas acima dos 30ºC.

O calor também afecta o número de óbitos registados diariamente. Este ano, no início de Agosto, quando os termómetros em algumas zonas de Portugal bateram recordes de temperatura máxima, registaram-se mais 500 mortes do que o normal, segundo estimativas provisórias da Direcção-Geral da Saúde. Já a onda de calor de 2003 provocou mais de 70 mil mortes em toda a Europa.

Mesmo assim, os efeitos do excesso de calor serão mais intensos em zonas onde a população não está tão adaptada às temperaturas elevadas. Dados divulgados pela Agência Europeia do Ambiente no seu relatório de 2016 sobre o impacto das alterações climáticas mostram que, em Madrid, por exemplo, a mortalidade aumenta quando a temperatura média diária é superior a 21ºC. Em Estocolmo, basta que os termómetros excedam os 19ºC para que se note um incremento do número de mortes em comparação aos dias considerados não quentes.

A informação diária disponibilizada pelo ECMWF, e tratada pela EDJNet, permitiu um nível de detalhe ainda maior. Foi possível analisar o número de dias quentes durante o ano lectivo – que também aumentaram na maioria das cidades. Em 472 dos 558 locais analisados, registaram-se, em média, mais três dias quentes durante os anos lectivos entre 2000 e 2017 do que no século passado. Em 70 cidades o número manteve-se igual. E nas restantes 16, o número de dias com temperaturas elevadas diminuiu durante o período analisado. Espanha foi o país mais afectado pela tendência.

Em todas as cidades portuguesas os dias escolares também aqueceram. O Funchal, por exemplo, ganharam quase uma semana de calor acima do normal em pleno ano lectivo.

Sobre a relação entre temperatura e a performance cognitiva, um investigador da Universidade de Harvard, Jisung Park, analisou dados sobre 4,5 milhões de exames do ensino secundário realizados em Nova Iorque e concluiu que ao fazer uma prova num dia em que a temperatura é superior a 32ºC se regista uma quebra de performance de 4,5% – em comparação com os dias em que estão 22ºC. Além do mais, “a exposição cumulativa ao calor durante o ano escolar conduz a um menor sucesso no exame final” diz Park no seu estudo. Por enquanto, não há qualquer trabalho semelhante para os estudantes europeus.

Solução tem de ser global

A 11 de Setembro, António Guterres, secretário-geral das Organizações das Nações Unidas, advertiu que o mundo tem dois anos para lutar contra as alterações climáticas. Caso não o faça, arrisca-se a enfrentar “consequências desastrosas”. O responsável da ONU pediu que se comece “a pedir satisfações” aos líderes políticos do planeta.

Para resolver o problema, é preciso entender que é preciso uma “solução jurídica diferente da que existe. Passa por entender que o planeta não é apenas um território. O sistema terrestre tem de existir na ordem jurídica internacional como um bem comum, que está dentro e fora de todos os estados”. Quem o defende é o jurista e investigador na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Paulo Magalhães, também presidente da Casa Comum da Humanidade – uma organização criada em 2016 com o propósito de defender que deve existir uma alteração do sistema jurídico no sentido de valorizar o sistema terrestre –, que reconhece também que há “uma urgência enorme” em encontrar uma solução.

As cidades e o poder local podem ter um papel importante no sentido de mitigação e adaptação, mas isso “não é resolver o problema”. Para tal, defende, é preciso alterar “o modelo de crescimento económico”. Nesta concepção, “os países podem crescer porque aumentaram a sua capacidade de disponibilizar serviços de interesse comum ao sistema terrestre numa escala global”.

“Todos sabemos que a Amazónia é uma floresta importantíssima. Porém, para o Brasil pôr o valor que está naquela floresta na economia, tem de destruí-la porque o trabalho que a floresta faz é economicamente e juridicamente invisível”, exemplifica Paulo Magalhães.

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